Agora que estamos nos aproximando do fim do workshop, consigo visualizar melhor o todo para comparti-lo com vocês.
Em termos estruturais o workshop acontece assim: todos os dias, depois das aulas de movimento, onde trabalhamos alongamento, exercícios musculares e de acrobacia, vestimos nosso figurino e vamos ao encontro do Monsier Loyal (Gaulier nos espera com seu humor feroz)...
Quase sempre prá esquentar, fazemos o jogo do "Chefe manda" e trocamos beijos e torturas...
Nos primeiros 4 dias do workshop, Gaulier propõe exercícios com máscaras de plásticos dessas com narizes grandes, diferentes bigodes, algumas com óculos, outras sem...
Com essas ridículas máscaras, que qualquer pessoa pode comprar em lojas de festas e fantasias, ele pede prá imitarmos uma máquina de lavar russa, cantarmos uma música, fazermos caretas, ou simplismente estarmos de frente prá platéia sentindo como é estar com essa máscara e fazer algo prá que o público ria.
No quinto dia ele trouxe os narizes vermelhos e, com propostas muito simples, como "dar um susto na platéia" Buuu!!! Ele olhava prá cada um e dava um caracter ou uma proposta de figurino. Por exemplo: jogador de rugbi, órfã, professora de piano, Obelix, Hare Krishna, servente do trem, chapeuzinho vermelho,
a Vóvozinha, o Lobo, e para mim - Madame King Kong.
Seu tema de casa é compôr seu figurinno o melhor que vc pode, esse é um momento importante, pois a relação com o figurino irá ajudar na sensação de ridículo, irá aflorar alguma característica em você, será sua segunda pele, seu momento de preparação antes de entrar em cena (ou em aula) seu pequeno ritual de entrada nesse outro mundo onde belas coisas surgem da terra dos maus, dos que erram, dos que não estão em seu lugar de conforto.
Na segunda-feira da outra semana iniciamos as provas de aprovação dos figurinos, e quanto mais você compõe, com sapatos, chapéu, detalhes, mala ou bolsa...Enfim, mais você vai se completando também.
Seguem-se, então, as popostas de improviso para a descoberta do clown.
A didática de Philippe parece adidática, pois a explicação dos exercícios se dá muitas vezes através de contos, histórias, brincadeiras com seus personagens inventados, eu costumava ficar completamente confusa...Ia entendendo conforme via os outros fazerem ou fazendo e jogando ali mesmo com a confusão que tinha.
Para a maioria da turma que já está há um ano na escola, vejo que já estão familiarizados com essa forma de ensinar e simplesmente jogam com Philippe.
Confesso que fiquei bastante tempo sentindo dentro de um nevoeiro "Entre Tinieblas" como o filme de Almodóvar...Não conseguia ver nada claramente, e o que achava que sabia não conseguia utilizar na frente desta exigente platéia comandada por Philippe.
É um trabalho penoso prá todos, mesmo os que já conseguiam se encontrar mais desde o princípio, quando começavam a achar que já tinham encontrado alguma coisa para repetir e fazer rir, não funcionava, virava mecânico, perdia o frescor, a vida...
Na concepção de Philippe, o Palhaço entra em cena prá fazer rir, não tem que ser poético, nem dar nenhum recado, nem ser filosófico, nem ter opinião política...Tudo que ele faz é mostrar sua humanidade,com suas ridículas e inusitadas idéias prá fazer a paltéia rir, colocar-se de frente com o flop e deixar com que os outros riem dessa situação.
Podem ficar tranquilos que mais adiante discorrerei sobre "os conceitos" utilizados na escola como flop, por exemplo.
Bom, seguimos na sequencia do workshop.
No mesmo dia do final de Le Jeu (12 de nov) a turma apresentou-se para o pessoal do primeiro ano e a proposta de Gaulier foi de que imitássemos um clown que nos chamava atenção, então teríamos que prestar bem atenção durante a semana, escolher alguém, vestir o figurino e maquiagem desse clown e imitá-lo frente ao público.
Foi muito divertido, porque a maioria dos alunos se divertia muito imitando e ressaltando as características ridículas do outro...Sempre é divertido tirar sarro dos outros, sendo assim Phillipe, na outra semana aconselhou que, a partir de agora nos divertíssimos da mesma maneira tirando sarro de nós mesmos, do nosso ridículo.
Mas aí entra uma questão muito importante que é, conseguir ter a visão clara de onde se encontra o nosso ridículo, delineando e aproveitando detalhes, repetindo ações que "funcionaram" com o público, com o mesmo frescor e prazer que fizemos ao zombar carinhosamente do colega.
É uma busca no meio da neblina e no meio da lama, onde o espelho de nós mesmos tá no olho do outro (platéia) e o termômetro na risada. O caminho vai sendo trilhado como num jogo de quente e frio. Escutar a si e escutar a platéia é o exercício mais delicado e minucioso.
Atualmente estamos trabalhando em duplas para a montagem de números que vamos apresentar na últimas semana de aula, entre os dias 12 e 17 de dezembro. ui ui ui ui.....
Estou trabalhando com Martina (italiana arretada) e a proposta para a criação do número, prá todoas as duplas é de que os clown tem que apresentar a peça "As Três Irmãs".
Como os clown não tem referências de desta peça de Russa, irão inventar muitas formas de fingir que sabem muito bem o que estão fazendo e apresentarão suas próprias versões.
Entramos na etapa de ensaiar propostas e repeti-las em frente ao público e principalmente, apresenta-las ao Monsier Loyal para tentar estrelar no espetáculo. Pois se você não tiver um número bom, não poderá se apresentar.
As coisas foram se clareando prá mim, principalmente porque fui entendendo melhor o jogo de Philippe e consigo agora jogar com o Monsier. Os direcionamentos que ele dá para os números são muito precisos e clareiam as possibilidades de onde cada um pode chegar.
A tentativa de colocar em prática as "idéias maravilhosas" que temos nos ensaios, de repetir o que deu certo no dia anterior, de formatar ações e ao mesmo tempo estar aberta para escutar a pulsação da cena, o tempo das coisas...Uf, uf, ufffff!
E principalmente, de não acreditar mais numa idéia, num acessório, num boneco, mais do que em nós mesmos...Philippe sempre fala : "Eu quero ver você, quero ver o clown, não quero ver seus acessórios, seu boneco, suas grandes idéias...Nada é mais importante do que você e sua relação com o público! Tudo é apenas uma estratégia para estar com o público, faze-lo rir e ser amado".
E todos temos a tendência de nos escondermos atrás de tantas coisas, é dificílimo encontrar a simplicidade, desenvover somente uma idéia, ou uma imagem, simplesmente estar...
Como os bichos e as crianças, que só estão...Estão para ser amados, para brincar, para aproveitar todas as pequenas coisinhas boas da vida!
"This nose, the smallest mask in the world, has another virtue. It reveals the students face, their body, their dreams, their foolishness and their shyness (or arrogance) when they reached the age of seven." Pg. 293 - The Tormentor - Gaulier
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